terça-feira, outubro 07, 2014

Florbela ama muito, ama os sonhos que se calam de corações que sentem e não falam. E até a voz do grande e mísero Destino.


Voz que se cala

Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.

Amo a hera, que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.

Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!

Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!

Florbela Espanca
(1894-1930)

Mais sobre Florbela Espanca em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Florbela_Espanca

sábado, outubro 04, 2014

Os outros que lutem para possuir o mundo. Quanto a mim, quero te ver face a face, decide Murilo Mendes.


Antecipação

Os outros que lutem para possuir o mundo.
Quanto a mim, quero te ver face a face.
Aguardo tua última vinda,
Minha forma definitiva e perfeita,
Minha justificação na tua unidade.
Estás em mim, mas ainda não te vejo:
Só vejo com os olhos do sangue.
Cai, mundo que herdei segundo a carne!
No fim de tudo abraçarei o Verbo
Que contém minhas formosas ascendentes,
Que me contém, contém a musa
E todas as gerações da musa, desde o princípio.

Murilo Mendes
(1901-1975)

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