quarta-feira, outubro 10, 2012

Em uma distante melodia, Mário de Sá-Carneiro sente uma irrealidade anil que nele ondeia. Ao seu redor, ele é Rei exilado, vagabundo dum sonho de sereia.


Distante melodia


Que me oscilava entre véus de tule -
Um tempo esguio e leve, um tempo - Asa. 
Então os meus sentidos eram cores, 
Nasciam num jardim as minhas ânsias, 
Havia na minh'alma Outras distâncias -
Distancias que o seguí-las era flores…
Caía Ouro se pensava Estrelas, 
O luar batia sobre o meu alhear-me…
Noites-lagoas, como éreis belas 
Sob terraços-lis de recordar-me!…
Idade acorde d'Inter sonho e Lua, 
Onde as horas corriam sempre jade, 
Onde a neblina era uma saudade, 
E a luz - anseios de Princesa nua… 
Balaústres de som, arcos de Amar, 
Pontes de brilho, ogivas de perfume…
Domínio inexprímivel d'Ópio e lume 
Que nunca mais, em cor, hei de habitar…
Tapetes doutras Pérsias mais Oriente…
Cortinados de Chinas mais marfim…
Áureos Templos de ritos de cetim…
Fontes correndo sombra, mansamente…
Zimbórios - panteons de nostalgias…
Catedrais de ser - Eu por sobre o mar…
Escadas de honra, escadas só, ao ar…
Novas Bizancios - alma, outras Turquias…
Lembranças fluidas… cinza de brocado…
Irrealidade anil que em mim ondeia…
- Ao meu redor eu sou Rei exilado, 
Vagabundo dum sonho de sereia…

Mário de Sá-Carneiro
(1890-1916)

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