segunda-feira, janeiro 16, 2012

Affonso Romano de Sant'Anna está catando os cacos do caos. Os cacos do presente e outrora e enfrentar a noite com o vitral da aurora.


Catando os cacos do caos

Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto
..............- como se fosse flor.

Catar os restos e ossos
da utopia
..............como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.

Catar a verdade contida
em cada concha da mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
.............- do dia cão.

Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.

Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.

Catar os cacos de Dionísio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.

Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado
.............- como era antes.

Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.

É um quebra-cabeça? ..........Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção.

.....Cacos de mim
.....Cacos do não
.....Cacos do sim
.....Cacos do antes
.....Cacos do fim.

Não é dentro
......nem fora

embora seja dentro e fora
.....no nunca e a toda hora
que violento
....o sentido nos deflora.

Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora.

Affonso Romano de Sant'Anna
(1937)

Mais sobre Affonso Romano de Sant'Anna em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Affonso_Romano_de_Sant'Anna










Nenhum comentário: