domingo, julho 31, 2011

Da fidelidade, por Vinicius de Moraes.



Da fidelidade

Há alguma coisa maior que nós mesmos que é a fidelidade a nós mesmos
Flor espantosa que vive das águas cáusticas  e das terras apodrecidas da
prodigiosa extensão humana.
É a sua santidade que eu quero fazer nascer destas palavras de ritmo obscuro
E neste momento mesmo é talvez a sua inocência que eu violento com os
meu dedos mártires que a desejariam sangrando.
Ela nasce desse instante supremo em que o homem que viu a verdade
sente que a sua simplicidade trágica nada poderá contra ele.
Ele que é como o país que vê a guerra no pássaro de arribação que se
pousou da grande viagem sobre o seu pavilhão estendido.
Não existe talvez nada mais belo que a matéria que habita essa alma que
nós mostramos como um pavilhão estendido ao pássaro peregrino
E talvez nada mais horrível que essa guerra que se vê nascer subitamente
das entranhas de nossa miséria
A fidelidade é como o amor da miséria pelo eterno viajante sereno
É como um homem que à força de contemplar um rio é por sua vez contemplado por ele.
Se é que há um lugar de Deus em cada criatura nada será felicidade senão a fidelidade à
falta de Deus neste lugar
Aos sentimentos e nunca à verdade porque a verdade é o símbolo do absoluto e o
abstrato é a morte do homem.
Ai de mim! talvez eu devesse morrer porque eu digo as palavras da fé
com gestos de inteligência.
Fidelidade, lírio, anjo, mar de pureza!

Vinicius de Moraes
(1913-1980)

Mais sobre Vinicius de Moraes em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vinicius_de_Moraes

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