quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Em sua extensa vida amorosa, Vinicius conheceu muitas mulheres ocas. Mas uma das mais belas ele sempre desprezou, a que se dava ao maior dos corruptos e ao pouco letrado cronista social.



As mulheres ocas

Nós somos as longilíneas
Lentas madonas de boate
Iluminamos as pistas
Com nossos rostos de opala.
Vamos em câmara lenta
Sem sorrir demasiado
E olhamos como sem ver
Com nossos olhos cromados.

Nós somos as sonolentas
Monjas do tédio inconsútil
Em nosso escuro convento
A ordem manda ser fútil
Fomos alunas bilíngües
De "Sacre-Coeur" e "Sion"
Mas adorar, só adoramos
A imagem do deus Mamon.**

Nós somos as grã-funestas
Filhas do Ouro com a Miséria
O gênio nos enfastia
E a estupidez nos diverte.
Amamos a vida fria
E tudo o que nos espelha
Na asséptica companhia
Dos nossos machos-de-abelha.

Nós somos as bailarinas
Pressagas do cataclismo
Dançando a dança da moda
Na corda bamba do abismo.
Mas nada nos incomoda
De vez que há sempre quem paga
O luxo de entrar na roda
Em Arpels ou Balenciaga.

Nós somos as grã-funestas
As onézimas letais*
Dormimos a nossa sesta
Em ataúdes de cristal
E só tiramos do rosto
Nossa máscara de cal
Para o drinque do sol posto
Com o cronista social.

Vinicius de Moraes
(1913-1980)

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mamon
** Uma das categorias da Nova Gnomônia, de Jayme Ovalle, que classifica os seres e as coisas em: datas, parás, mozarlescos, kernianos e os onézimos, sendo estes conhecidos "pés-frios". Para maiores esclarecimentos, ver o capítulo [a crônica] "A Nova Gnomônia" em Crônicas da província do Brasil, de Manuel Bandeira.

Mais sobre Vinicius de Moraes em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vinicius_de_Moraes

Nenhum comentário: