quinta-feira, junho 18, 2009

No belo poema de Paulo Mendes Campos, um menino ziguezagueava de chuteiras no campo de topázio. Era uma criança, frágil e forte.


Um menino


Ziguezagueava de chuteiras no campo de topázio, a seriema do crepúsculo em grito
indireto, macegas revelando serpentes frágeis, caminhava
com as mangas de uniforme encolhidas, o coração
priápico, a alma
plo avesso, imaginando encontrar um braço estendido, um ninho,
olhos femininos
de pássaro,
onde ele (só ele)
indefinidamente se esfregassse à vida.
Desceu o caminho do açude quando o martim-pescador regressava a seu mundo.
Água lisa e escura, o esperma do capim-gordura recendia,
os araticuns articulando-se ao verde
com os amarelos tortos e lenhosos de Van
Gogh. As torres se removiam quando cruzou a ponte,
suspirando, a trabalhar-se,
todos os pressentimentos farejando para sete ou oito sentidos,
sua avó ainda viva, compartilhando da inocência
montanhesa, somente agora perturbada: pois
ele aparecia enfim à tarde, mãos nos bolsos,
uma fome escancarada de espaço-tempo e maldade. Aparecia emfim
à tarde, para a tarde, com a tarde,
o frescor do pequeno porco-espinho, e o mal-estar
dos gambás que cheiravam mal antes da morte.
Caminhava pela casta masturbação dos verdes amarelos
que se remexiam,
os músculos a produzir um calor
que se perdia,
cuspindo o leite das margaridas mastigadas,
vacas chanfradas em flor para receber o girassol de um touro
subnutrido.

Uma criança. Frágil e forte.

Mas em laranjais de paraíso imprevisível.

Paulo Mendes Campos
(1922-1991)

Mais sobre Paulo Mendes Campos em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Mendes_Campos

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