segunda-feira, dezembro 22, 2008

Nos versos de Mauro Mota, o que a rendeira faz cobre seios, enrola-se em vestidos e toalhas. Mas ela fica na esteira, com seu mundo entre as pernas.


A rendeira


De onde a origem fieira
da família rendeira?
Onde a ponta do fio
atavismo e atavio?

E onde o fim? Mãe e filha
puxam a mesma linha
que, ao mesmo tempo, é
de gente e carretel,

e se encolhe e se estica
pela estrada do pique,
mapa-múndi de pano,
de habitantes humanos,

os dedos da rendeira
e os dedos de madeira,
essas mãos decepadas,
esses bilros de carne,

a sonata e a encomenda
na música das rendas.
Branco no branco, pintam
a paisagem dos bicos,

gravura e melodia,
esculturas de fio,
multiforme painel
novelo e carretel.

Emigra da almofada
é um rio na toalha.
Longo nervo viajeiro,
de matriz na rendeira,

comunica-se às peças
do uso de outras mulheres,
cobre seios, enrola-se
em vestidos e estolas.

Horas a fio na esteira
permanece a rendeira,
entre o chão e a janela,
com seu mundo entre as pernas.

Mauro Mota
(1991-1984)

Mais sobre Mauri Mota em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mauro_Mota

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