sexta-feira, novembro 21, 2008

No poema de Afonso Romano, o monstro torturador é derrotado. E o torturado, tatuado de violência e poesia, não marcha só, segue na direção da utopia.


O torturado e seu torturador


Apanhado em meio à noite,
jogado no chão da cela,
o corpo nu conhece
a primeira humilhação.
Outras virão: o soco,
o choque, a ameaça,
o urro na escuridão.

- Quantos volts
suporta o corpo
- em coação,
até que dele escorra o fel
da delação?

- O que procura o tortura/dor
nas pedras do rim alheio
como vil minera/dor?
-O que ama esse ama/dor
da morte?
esse morcego suga/dor
sob os porões da corte?
esse joga/dor
do jogo bruto?
e cria/dor
- do luto?

O torturador se sente, e acaso o é,
um trabalha/dor diferente:
seu trabalho é destruir
o sonha/dor insistente
como o médico que resolvesse
matar de dor
- o cliente
.
Sob a tortura
o que há de melhor no homem
jamais se manifesta. Quando muito
podeis catar no chão
o pouco que dele resta.
Mas soltai-o em festa, ao sol
e vereis que a verdade
de seus gestos se irradia.
Livre
vestindo a pele do dia,
o torturado caminha
com seu corpo tatuado
de violência e poesia.

Mas ele não marcha só.
Apenas segue na frente
na direção da utopia.

Affonso Romano de Sant'Anna

Mais sobre Afonso Romano de Sant'Anna em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Affonso_Romano_de_Sant%27Anna

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