segunda-feira, setembro 29, 2008

Ite missa est. No centenário da morte de Machado de Assis, um poema que jamais ficará coberto pelo véu do esquecimento.

Ite missa est

Fecha o missal do amor e a bênção lança
À pia multidão
Dos teus sonhos de moço e de criança;
A bênção do perdão.
Soa a hora fatal, -- reza contrito
As palavras do rito:
Ite missa est.

Foi longo o sacrifício; o teu joelho
De curvar-se cansou;
E acaso sobre as folhas do Evangelho
A tua alma chorou.
Ninguém viu essas lágrimas (ai tantas!)
Cair nas folhas santas.
Ite missa est

De olhos fitos no céu rezaste o credo,
O credo do teu deus;
Oração que devia, ou tarde ou cedo,
Travar nos lábios teus.
Palavra que se esvai qual fumo escasso
E some-se no espaço.
Ite missa est.

Votaste ao céu, nas tuas mãos alçada,
A hóstia do perdão,
A vítima divina... e profanada
Que chamas coração.
Quase inteiras perdeste a alma e a vida
Na hóstia consumida.
Ite missa est.

Pobre servo do altar de um deus esquivo
É tarde; beija a cruz;
Na lâmpada em que ardia o fogo ativo,
Vê, já se extingue a luz.
Cubra-te agora o rosto macilento
O véu do esquecimento.
Ite missa est.

Machado de Assis

(1839-1908)

http://pt.wikipedia.org/wiki/Machado_de_Assis

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