terça-feira, setembro 02, 2008

Caminhos de Mundaú, caminhos de curvas. De onde Jorge de Lima veio para a cidade onde ninguém sabe o que é caminho.


Caminhos de minha terra


Caminhos inventados por quem não tem pressa de ir-se embora.
Pelos que vão à escola.
Pelos que vão à vila trabalhar.
Pelos que vão ao eito.
Pelos que deixam a terra como eu deixei um dia...
Pelos que levam quem se despede da vida que é tão bela...

À minha terra ninguém chega: ela é tão pobre.
Dizem que tem bons ares para os tísicos -
mas os tísicos não vão lá: é tão difícil ir-se lá...

Caminhos de minha terra onde perdi
os olhos e os passos da meditação...
Caminhos em que ceguinhos e aleijados podem
ir sem olhos e sem pernas: eles não atropelam
os pobrezinhos.
Alguém quer partir e eles dizem:
- não vás: toma lá uma goiaba madura,
um pitanga, uma ingá e dão como
as mãos dos missionários que dão tudo,
cajus, pitombas, araçás a todos os meninos do lugar.
Caminhos que ainda têm orvalhos e sonâmbulos bacuraus,
e têm ninhos suspensos nas ramadas.

Ali perto, na Curva do Encantado
onde mataram de emboscada um cangaceiro,
há uma cruz de pitombeira...
Quem passa joga uma pedra,
reza baixinho:
Padre Nosso que estais no céu
santificado seja o vosso nome
venha a nós...
Aquela cruz do cangaceiro é milagrosa,
já me curou dum puxado que
eu peguei na escola da professora -
minha tia Bárbara de Olivedo Cunha Lima -

Mundaú! - soube depois
que quer dizer rio torto.
Quem te inventou Mundaú, das minhas lavadeiras seminuas,
dos meus pescadores de traíras? -
Mundaú! - rio torto - caminho de curvas,
por onde eu vim para a cidade
onde ninguém sabe o que é caminho.

Jorge de Lima
(1893-1953)

Mais sobre Jorge de Lima em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_de_Lima

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