terça-feira, abril 15, 2008

Sou poeta, só sei cantar, sou simplesmente um cantor. Canto o que a vida me pede, porque cantar é um modo de repartir, diz em versos Thiago de Mello.


Só sei cantar

Sou simplesmente um cantor.
Já disse que nada invento
nem produzo formatos diferentes.
Minha terra tem palmeiras
onde canta o sabiá.
Canto a luz da primavera,
canto a chuva da floresta,
canto a dor dos deserdados,
e a alvorada da justiça.
Canto o olhar da minha amada
e as pernas dela também.
Canto a plumagem celeste
do tucano que me acorda
e canto o peito encarnado
do rouxinol que chegou
dos altos do Rio Negro
para ver de perto o vôo
das pipiras azuladas.
(Alguns, da arte só pela arte,
me torcem a cara quando
canto em nome do meu povo
a aurora da liberdade.)
Canto o que suja e o que lava,
canto o que dói e o que abranda,
canto a rosa e seu espinho
e a cantiga de ciranda
que se faz de fogo e neve,
canto o amor, de novo canto,
só para aprender a amar.
Mas não canto o que bem quero
pelo gosto de cantar
que às vezes sabe a desgosto.
Canto o que a vida me pede,
imperiosa ou macia,
porque sabe que cantar
é um modo de repartir.
Sou poeta, só sei cantar.

Thiago de Mello

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