sábado, dezembro 15, 2007

Os filhos a repudiaram envergonhados, o marido ficou triste até a morte, ela ficou doida no encalço. E só melhora quando chove, assim é Dona Doida.


Dona Doida

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.

Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.

Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.

Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.

A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.

Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,

eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.

Adélia Prado

Mais sobre Adélia Prado em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ad%C3%A9lia_prado

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