quinta-feira, outubro 04, 2007

Ao amigo que partiu, como se diz, para o outro mundo, Mayakovsky lembra a ele e a todos nós que morrer não é difícil. O difícil é a vida e seu ofício.


A Serguei Iessienin


Você partiu,
como se diz,
para o outro mundo.
Vácuo...
Você sobe,
entremeado às estrelas.
Nem álcool,
nem moedas.
Sóbrio.
Vôo sem fundo.
Não, Iesienin,
não posso
fazer troça, -
Na boca
uma lasca amarga
não a mofa.
Olho -
sangue nas mãos frouxas,
você sacode
o invólucro
dos ossos.
Pare,
basta!
Você perdeu o senso?
Deixar
que a cal
mortal
lhe cubra o rosto?
Você,
com todo esse talento
para o impossível,
hábil
como poucos.
Por quê?
Para quê?
Perplexidade.
- É o vinho!
-a crítica esbraveja.
Tese:
refratário à sociedade.
Corolário:
muito vinho e cerveja.
Sim,
se você trocasse
a boêmia
pela classe,
A classe agiria em você,
e lhe daria um norte.
E a classe
por acaso
mata a sede com xarope?
Ela sabe beber -
nada tem de abstêmia.
Sim,
se você tivesse
um patrono no "Posto" -
ganharia
um conteúdo
bem diverso:
todo dia
uma quota
de cem versos,
longos
e lerdos,
como Dorônin.
Remédio?
Para mim,
despautério:
mais cedo ainda
você estaria nessa corda.
Melhor
morrer de vodca
que de tédio!
Não revelam
as razões
desse impulso
nem o nó,
nem a navalha aberta.
Talvez,
se houvesse tinta
no "Inglaterra",
você
não cortaria
os pulsos.
Os plagiários felizes
pedem:bis!
Já todo
um pelotão
em auto-execução.
Para que
aumentar
o rol de suicidas?
Antes
aumentar
a produção de tinta!
Agora
para sempre
tua boca
está cerrada.
Difícil
e inútil
excogitar enigmas.
O povo,
o inventa-línguas,
perdeu
o canoro
contramestre de noitadas.
E levam
velhos versos
ao velório,
sucata
de extintas exéquias.
Rimas gastas
empalam
os despojos, -
é assim
que se honra
um poeta?
Não
te ergueram ainda um monumento -
onde
o som do bronze
ou o grave granito? -
E já vão
empilhando
no jazigo
dedicatórias e ex-votos:
excremento.
Teu nome
escorrido no muco,
teus versos,
Sobinov os babuja,
voz quérula
sob bétulas murchas -
"Nem palavra, amigo,
nem so-o-luço".
Ah,
que eu saberia dar um fim
a esse Leonid Loengrim!
Saltaria
-escândalo estridente:
- Chega
de tremores de voz!
Assobios
nos ouvidos
dessa gente,
ao diabo
com suas mães e avós!
Para que toda
essa corja explodisse
inflando
os escuros
redingotes,
a Kógan
atropelado
fugisse,
espetando
os transeuntes
nos bigodes.
Por enquanto
há escória
de sobra.
O tempo é escasso -
mãos à obra,
Primeiro
é preciso
transformar a vida
para cantá-la -
em seguida.
Os tempos estão duros
para o artista.
Mas,
dizei-me,
anêmicos e anões,
os grandes,
onde,
em que ocasião,
escolheram
uma estrada
batida?
General
da força humana
- Verbo -
marche!
Que o tempo
cuspa balas
para trás,
e o vento
no passado
só desfaça
um maço de cabelos.
Para o júbilo
o planeta
está imaturo.
É preciso
aarancar alegria
ao futuro.
Nesta vida
morrer não é difícil.
O difícil
é a vida e seu ofício.

Wladimir Mayakovsky
(1893-1930)

Mais sobre Wladimir Mayakovsky em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vladimir_Mayakovsky

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