segunda-feira, setembro 03, 2007

Paulo Mendes Campos não se conforma em ser apenas o entreposto de um corpo vivo e outro morto. E contrariado, afirma: ele é que é cheio, eu sou oco.


O morto


Por que celeste transtorno

tarda-me o cosmo do sangue

o óleo grosso do morto?


Por que ver pelo meu olho?

Por que usar o meu corpo?

Se eu sou vivo e ele morto?


Por que pacto inconsentido

(ou miserável acordo)

Aninhou-se em mim o morto?


Que prazer mais decomposto

faz do meu peito intermédio

do peito ausente do morto?


Por que a tara do morto

é inserir sua pele

entre o meu e o outro corpo.


Se for do gosto do morto

o que como com desgosto

come o morto em minha boca.


Que secreto desacordo!

ser apenas o entreposto

de um corpo vivo e outro morto!


Ele é que é cheio, eu sou oco.

Paulo Mendes Campos

(1922-1991)

Mais sobre Paulo Mendes Campos em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Mendes_Campos

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