quarta-feira, agosto 08, 2007

Manoel de Barros é um apanhador de desperdícios e seu quintal é maior que o mundo. Mas só usa a palavra para compor seus silêncios.


O apanhador de desperdícios


Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água, pedra, sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos,
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Manoel de Barros

Mais sobre Manoel de Barros em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manoel_de_Barros

2 comentários:

Eduardo disse...

Brilhante. Um texto absolutamente texto redondo, sem nenhuma aresta ou afetação. Parabéns pela idéia de um blog assim. Abraço.

Anônimo disse...

Muito bom este ato de comparação, ou seja, pense em todo o questionamento que podemos reflete.